Nº único: 0602902-09.2016.6.00.0000

Cidade/UF: Teresópolis/RJ

Classe processual: AC - Ação Cautelar

Nº do processo: 7326

Data da decisão/julgamento: 27/12/2016

Ano da eleição: 2016

Tipo da decisão: Decisão monocrática

Relator(a): Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin

Decisão:


  TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 
AÇÃO CAUTELAR Nº 0602902-09.2016.6.00.0000 CLASSE 12061 TERESÓPOLIS RIO DE JANEIRO 
 Relator: Ministro Herman Benjamin 
Autor: Mario de Oliveira Tricano e outro 
Advogados: Carlos Henrique Pereira Rego Brinckmann e outro 
Ré: Coligação Unidos Podemos 
Réu: Ministério Público Eleitoral


Eleições 2016. Pedido de tutela de urgência. Agravo interno. Registro de candidatura ao cargo de prefeito indeferido. 1. Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o § 3º do referido artigo estabelece que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. 2. Conquanto eu tenha ficado vencido no julgamento do tema de fundo, a presente tutela de urgência transcende as partes do processo, mas revela-se uma decisão institucional do próprio TSE. De fato, como o tema de fundo teve a repercussão geral reconhecida e existem votos de Ministros do Supremo Tribunal Federal favoráveis à tese do candidato, penso que, nestes casos, a execução de julgado deva ser diferida até a conclusão do julgamento pela Suprema Corte, evitando-se instabilidade política nos municípios e assunção do presidente de câmara de vereadores com contornos de definitividade, em evidente violação ao princípio democrático. 3. Fumus boni iuris. Impossibilidade de se aumentar o período de inelegibilidade em casos de condenados em ação de investigação judicial eleitoral ao prazo de três anos em sentença judicial, sob pena de violação à coisa julgada, à segurança jurídica e ao princípio geral de direito ne bis in idem. Questão constitucional não enfrentada nem decidida pelo STF na ocasião do julgamento da ADC nº 29, relator Ministro Luiz Fux, em que analisada apenas a questão da retroatividade inautêntica, e não a retroatividade máxima. 4. Periculum in mora. Neste juízo provisório, parece-me prudente aguardar a decisão do Plenário do STF sobre o caso concreto, pois, além de existirem diversos votos favoráveis à tese do candidato, a não concessão de eficácia suspensiva neste momento acarretará realização de eleições suplementares possivelmente desnecessárias, caso o STF decida favoravelmente ao candidato eleito, o que revelaria inexplicável violação à regra da eficiência prevista no art. 37 da Constituição Federal de 1988 e à regra democrática. Conforme advertia o Ministro Sepúlveda Pertence, a subtração ao titular, ainda que parcial, do conteúdo do exercício de um mandato político é, por si mesma, um dano irreparável (ADI nº 644 MC/AP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgada em 4.12.1991). 5. Nesta quadra vivenciada, é exigência constitucional de todos os órgãos da Administração Pública a necessária contenção de gastos, mormente quando, de plano, é possível fazê-lo, como a presente proposta, que apenas posterga para o momento oportuno a realização de eleições suplementares, se estas forem efetivamente necessárias ao caso concreto. 6. Liminar deferida. 
                        DECISÃO 
1.                    Trata-se de pedido de tutela de urgência com pedido de liminar a fim de que seja concedido efeito suspensivo ao agravo regimental interposto nos autos do REspe nº 96-05. 
                        Na origem, o Ministério Público Eleitoral e a Coligação Unidos Podemos impugnaram o registro de candidatura de Mario de Oliveira Tricano e Darcy Sandro Dias por supostas inelegibilidades do art. 1º, inciso I, alíneas d e e, da LC nº 64/1990. 
                       O Juiz Eleitoral indeferiu o registro. 
                      O TRE/RJ deferiu o registro, por entender que a inelegibilidade por abuso de poder tem natureza cominada. Portanto, a LC nº 135/2010 não poderia retroagir para prejudicar os candidatos. Além disso, entendeu que o prazo de inelegibilidade se encerrou antes da diplomação, constituindo fato superveniente apto a possibilitar o deferimento do registro. 
                       Na decisão monocrática, o relator, Ministro Herman Benjamin, deu provimento aos recursos especiais do Ministério Público e da Coligação Unidos Podemos. Segundo o entendimento do relator, a LC nº 135/2010, que aumentou os prazos de inelegibilidade para oito anos, pode se aplicar também a fatos anteriores, não havendo ofensa à coisa julgada. Além disso, assentou que o candidato estava inelegível na data das eleições, não havendo que se falar em fato superveniente pelo fim da inelegibilidade antes da data da diplomação. 
                  Nas razões do presente pedido, nas quais se busca efeito suspensivo ao agravo regimental interposto, alega o requerente que sua fundamentação é relevante e há risco de dano grave e de difícil reparação. 
                    Afirma que sua condenação em AIJE é anterior à edição da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), ocasião em que sua condenação implicava inelegibilidade pelo prazo de três anos. Dessa forma, a retroatividade do prazo de oito anos, imposto por lei de 2010, viola o princípio da coisa julgada. 
                   Aduz violação ao art. 16 da Carta Fundamental, pois teria ocorrido guinada jurisprudencial acerca do marco final para o afastamento de inelegibilidade. Sustenta que sua inelegibilidade, caso existente, se encerraria antes da diplomação, considerada o marco final para seu afastamento nas eleições de 2014. Assenta que este entendimento foi confirmado pelo Plenário no julgamento do REspe nº 283-41 (Tianguá/CE) na sessão de 19.12.2016, ocasião em que foi rejeitada a proposta de alteração da Súmula nº 70/TSE. O requerente conclui, portanto, que a decisão pela manutenção do enunciado implica a possibilidade de deferimento do registro quando o prazo de inelegibilidade termina depois da data das eleições, mas antes da diplomação. 
                    Sustenta que, diante da indefinição acerca da retroatividade da LC nº 135/2010, demonstrada pela existência de recurso com repercussão geral reconhecida no STF, deveria prevalecer o resultado das urnas. Reitera que estava com o registro deferido até a decisão monocrática desta Corte, e o indeferimento do efeito suspensivo implica a impossibilidade de sua posse. 
                  Requer, por fim, que seja deferida a medida liminar, inaudita altera pars, para conceder efeito suspensivo ao agravo regimental. 
                        Decido.
2.                    Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o § 3º do referido artigo estabelece que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. 
                        No mérito, verifico a presença do fumus boni iuris. Conquanto eu tenha ficado vencido no julgamento do tema de fundo, a presente tutela de urgência transcende as partes do processo, mas revela-se uma decisão institucional do próprio TSE. Portanto, considerada a existência de votos de Ministros do Supremo Tribunal Federal favoráveis à tese do candidato, nada há de incoerência no deferimento do pedido, mormente quando o tema já está com repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte. 
                      Com efeito, o Ministro Marco Aurélio assentou que contraria, a mais não poder, a primeira condição da segurança a irretroatividade da lei olvidar, colocar em plano secundário, ato jurídico perfeito por excelência a coisa julgada , ante a Lei Complementar nº 135/2010, implementando-se retroatividade máxima (RO nº 254432/PE, julgado em 30.9.2010).
                       Da mesma forma, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao apreciar pedido de medida liminar no STF, concluiu: 
No caso destes autos verifico que a situação é realmente excepcional e se reveste da maior singularidade político-jurídica, uma vez que o autor foi reeleito para o cargo de Prefeito do Município de Criciúma/SC, com 76,48% dos votos válidos, encontrando-se impedido de exercer o mandato legitimamente conferido pela vontade das urnas, por conta de decisão da Justiça Eleitoral, que desconstituiu acórdão de 2009, já coberto pelo manto sagrado da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Constituição), com fulcro em alteração legislativa superveniente, que modificou o teor do art. 22, XIV, da LC 64/90, dispositivo que serviu de base, ressalte-se, ao tempo dos fatos e em sua redação originária, para o decreto judicial transitado em julgado, o qual aplicou a sanção de inelegibilidade pelo prazo de 3 (três) anos, de resto integralmente cumprido (AC-STF nº 3.786/SC, analisada em 8.1.2015). 
               O Ministro Roberto Barroso, por sua vez, também assentou: 
10. Após refletir sobre essas novas constatações, verifiquei que os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Cármen Lúcia possuem ao menos uma manifestação em sentido contrário à possibilidade de aplicação retroativa do prazo de que trata o art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/1990. Reforçando o impacto da tese sustentada pelo candidato, no julgamento da Medida Cautelar na Ação Cautelar 3.685/BA, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar para uma melhor reflexão a respeito da retroatividade da inelegibilidade de 8 (oito) anos advinda da LC nº 135/2010. O conjunto de todos os pronunciamentos dos Ministros desta Corte preenche, à toda evidência, o requisito da plausibilidade jurídica da tese. Não obstante, não se pode deixar de mencionar o fato de que a questão será revisitada em breve pelo Plenário. Vale lembrar que os recursos relativos à tese jurídica em debate chegaram a ser pautados para a sessão de 11.03.2015. Dessa forma, três fatores me chamam a atenção em especial: (i) não há uma certeza sobre o fato de a questão debatida nestes autos ter sido pontualmente enfrentada; (ii) existe um número expressivo de Ministros cuja posição conhecida é favorável à tese do recorrente; e (iii) o Tribunal já sinalizou revisitar a matéria em breve. Mostra-se presente, portanto, a plausibilidade jurídica do pedido (AC-STF nº 3.778/MG, analisada em 27.4.2015). 
                    Pois bem, no caso concreto, o candidato foi condenado, em AIJE transitada em julgado, ao prazo de inelegibilidade de três anos contados da eleição de 2008.  Agora, nas eleições de 2016, o relator, aplicando a jurisprudência do TSE, entendeu possível, sem ofensa à coisa julgada, à segurança jurídica e ao princípio geral de direito ne bis in idem, a aplicação do novo prazo de oito anos de inelegibilidade. Reafirmo, pois, os fundamentos lançados por mim no julgamento de outros recursos envolvendo o mesmo tema, como RO nº 56635/PB, assim ementado: 
ELEIÇÕES 2014. CANDIDATO A GOVERNADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO. SUPOSTA INCIDÊNCIA NAS INELEGIBILIDADES PREVISTAS NO ART. 1º, INCISO I, ALÍNEAS d, h e j, DA LC Nº 64/1990. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. SUPOSTA AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. NÃO OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.1. Incidência nas causas de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alíneas d e h, da LC nº 64/1990. Enquanto a inelegibilidade por rejeição de contas (alínea g), à guisa de exemplificação, não é sanção imposta na decisão do Tribunal de Contas, mas possível efeito secundário do título administrativo, verificável se e quando o cidadão se apresentar candidato, a inelegibilidade declarada em ação de investigação judicial eleitoral é sanção imposta na sentença judicial, cujo aumento de prazo configura situação didática de violação da coisa julgada - candidato declarado inelegível, pelo prazo de três anos, em representações transitadas em julgado relativas à eleição de 2006. 
2. Assentar a possibilidade de aumentar o prazo de três para oito anos de inelegibilidade em casos de ação de investigação judicial eleitoral, além de configurar violação da coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI, da CF/1988), é um convite ao legislador para que possa transformar, por exemplo, condenações à multa por conduta vedada em cassações de diploma, com consequências jurídicas em pleitos futuros.3. Aumento de prazo que afronta a segurança jurídica implicitamente prevista no art. 16 da Constituição Federal, pois altera as consequências jurídicas de um processo eleitoral findo, analisado pela Justiça Eleitoral em conformidade com as regras jurídicas do pleito, modificando a sanção imposta em eleição anterior (sentença judicial que fixou inelegibilidade pelo prazo de três anos a contar da eleição de 2006), para atingir pleitos futuros, mesmo exaurido o prazo fixado em decisão judicial. Questão constitucional não enfrentada nem decidida pelo Supremo Tribunal Federal na ocasião do julgamento da ADC nº 29, rel. Min. Luiz Fux. 
                     Por outro lado, neste juízo provisório, parece-me prudente aguardar a decisão do Plenário do STF sobre o caso concreto, pois, além de existirem diversos votos favoráveis à tese do candidato, a não concessão de eficácia suspensiva neste momento poderá acarretar realização de eleições suplementares possivelmente desnecessárias, caso o STF decida favoravelmente ao candidato eleito, o que revelaria inexplicável violação à regra da eficiência prevista no art. 37 da Constituição Federal de 1988. Conforme advertia o Ministro Sepúlveda Pertence, a subtração ao titular, ainda que parcial, do conteúdo do exercício de um mandato político é, por si mesma, um dano irreparável (ADI nº 644 MC/AP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgada em 4.12.1991 Grifos nossos). 
                 De fato, nessa quadra vivenciada é exigência constitucional de todos os órgãos da Administração Pública a necessária contenção de gastos, mormente quando, de plano, é possível fazê-lo, como a presente proposta, que apenas posterga para o momento oportuno a realização de eleições suplementares, caso estas sejam efetivamente necessárias ao caso concreto. 
                    Por fim, a presente decisão não tem conteúdo de irreversibilidade, nos termos do art. 300, § 3º, do Código de Processo Civil, considerando que, caso o STF decida contrariamente à tese do candidato, os procedimentos para a realização de eleições suplementares serão providenciados pelos órgãos da Justiça Eleitoral. 
                  Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar para atribuir efeito suspensivo ativo ao agravo interno nos autos do REspe nº 96-05/RJ. 
                     Comunique-se, com urgência. 
                     Considerando a necessária conclusão do julgamento do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida sobre o tema pelo STF, bem como a imperiosa necessidade de evitar gastos de recursos públicos com a realização de eleições suplementares possivelmente inúteis, caso prevaleça a tese dos candidatos eleitos, encaminhe-se cópia desta decisão à Presidência do Supremo Tribunal Federal. 
                        Publique-se. 
                        Intime-se.                 
                         Brasília, 22 de dezembro de 2016. 
Ministro GILMAR MENDES 
 Presidente 
Art. 17 do RITSE 

(AC - ação cautelar nº 7326, Decisão Monocrática de 27/12/2016, Relator(a): Min. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin)